sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Ruralismo vs Urbanismo

Este artigo escrito pelo bispo Richard Williamson foi retirado do livro "The Rural Solution: Modern Catholic voices on going 'back to the land'" (A Solução Rural: Vozes Católicas modernas sobre a volta à terra). Esta tradução livre não é oficial e foi feita pelo autor do blog como parte de uma série que pretende traduzir todos os artigos disponíveis no livro.

RURALISMO VERSUS URBANISMO

Q. Você estaria atacando cidades, que sempre foram centros da cultura e civilização Católica? As cartas de São Paulo foram todas endereçadas a jovens igrejas em cidades (Roma, Coríntios, etc.). As Catedrais Medievais foram todas construídas em cidades.

R. Correto. Mas a indústria, em particular a automobilística, mudou radicalmente a estrutura das cidades e a mentalidade de seus habitantes. Por exemplo, as ruas deixaram de ser lugar de socialização e de brincadeiras de crianças por conta dos automóveis. De maneira similar, enquanto o campo ainda prevalecia sobre as cidades, os habitantes urbanos possuíam mais ou menos o mesmo senso comum do homem do campo (e.g. você não pode brincar com o dia ou a noite, inverno ou verão), mas assim que o industrialismo possibilitou a essas cidades prevalecer sobre o campo, esse senso-comum passou a esvanecer (e.g. com a eletricidade e o aquecimento, podemos ignorar a noite e o inverno). As cidades modernas e as periferiais facilmente corroem o senso natural de que existe uma natureza das coisas. Sem uma natureza, onde está a Graça?

Q. Mas os burgos, assim como a televisão, são meramente neutros, e podem ser usados para o bem ou o mal. O problema é o pecado. Ataque o pecado, não os burgos.

R. É precisamente para atacar o pecado que alguém ataca os burgos modernos, uma vez que seu estilo de vida favorece o pecado. Sua ternura e conforto favorecem a sensualidade, e sua anti-socialidade e independência favorecem o orgulho. É verdade que a televisão seja neutra em teoria, mas não na prática. Uma vez instalada num lar, ela tende fortemente a ser mal utilizada, desconcertando a mente, a vontade, o senso de realidade, a atividez, a humanidade e a família. Similarmente, os burgos na prática tendem fortemente a desconcertar seres humanos. Ouça os músicos de Rock, voz de duas gerações alienadas (de 1960 a 1990). Essa alienação não pode continuar.

Q. Mas padres e bispos deveriam atacar o pecado, que é a raiz do problema, e não os burgos, que obviamente não o são.

R. Reconheço, é claro, que o pecado é a raiz do problema. Mas se uma criança reclama de seus pés machucarem, é tolo apontar que ela está colocar o sapato esquerdo no pé direito e vice-versa? Se católicos reclamam de que seja muito difícil conduzir uma vida Católica, por acaso seria tolo para os padres apontar que eles não percebem que todo o contexto de suas vidas está os levando ao orgulho e à sensualidade?

Q. O que você quer dizer com "um contexto que leva ao pecado"? Pecados são cometidos por livre escolha, não por contexto.

R. Sim, mas diferentes contextos podem colocar maior pressão à livre escolha, o que justamente por que muitos deles são chamados de "ocasiões de pecado", que os católicos devem evitar.

Q. Então você está dizendo que os burgos modernos são ocasiões de pecado? Ridículo.

R. Permita-me utilizar de um exemplo diferente. O rádio de um carro não é o melhor contexto para se ouvir a música clássica, porque estou ocupado dirigindo. Eu estou puramente passivo à música sendo tocada. Eu posso tocar a música que eu quiser, incluindo substituí-la por qualquer uma das muitas estações de rock. Eu posso ouvir música clássica no rádio de um carro. Mas o contexto de ir a um concerto ao vivo é muito melhor, onde não estou distraído, nem puramente passivo, nem posso mudar a música tão facilmente. De maneira similar, posso conduzir uma vida católica nas cidades, mas todo o contexto é construído pelo homem, centrado no homem e controlado pelo homem. É um contexto que cala a Deus, fazendo-o não impossível, mas muito mais difícil de se atingir. Contextos importam.

Q. Você simplesmente não gosta de nada novo.

R. Mais sábio (Provérbios 22:28) não gostar de nada novo do que de nada antigo, que é a a condição e condicionamento do homem moderno. Mas tudo que é novo e que vai me ajudar a salvar minha alma, como um novo funcionariado em Roma, realmente Católico, eu agarrarei com ambas as mãos. Uma Igreja Católica realmente renovada, uma nova e verdadeiramente Católica Ordem Mundial, sim, por favor!

Q. Mas o tempo passa, e as coisas mudam. Não adianta lamentar sobre os velhos tempos.

R. Lamentar o ontem não está em questão, apenas julgar corretamente nosso hoje, de maneira a salvar o maior número de almas possível amanhã. É claro que o tempo passa e as coisas mudam. Isso é exatamente o porquê de devermos analisar o que o tempo nos trouxe para que façamos que as coisas mudem para o melhor. Caso contrário elas mudarão para o pior. A mudança é inevitável, mas Deus nos requer que direcionemos a mudança em direção à vontade Dele.

Q. Mas as pessoas sempre louvaram o passado pensando que este era melhor. O que sugere fortemente que ele não era.

R. Os argumentos para que o Reinado de Cristo Rei tenha se deteriorado amplamente nos últimos 700 anos são claros e convincentes. Um carro sem freios pode descer uma montanha sem bater por algum tempo, mas em algum momento ele certamente baterá. Aos destroços da Cristandade do século XX Deus mandou três avisos: as duas Guerras Mundiais e o Vaticano II. Mas a humanidade continua descendo a montanha, e cada vez mais rápido.

Q. Mas hoje em dia as pessoas do campo sofrem tanto com vícios e drogas quanto as pessoas das cidades ou subúrbios.

R. Provavelmente não tanto, mas isso é muito mais verdade hoje que ontem, precisamente porque o automóvel e suas pompas e seus trabalhos tomaram o campo. Quando Nossa Senhora (supostamente) apareceu no vilarejo da montanha de Garabandal, no norte da Espanha em 1960, esta ainda se tratava de uma vila isolada na montanha. Agora ela é apenas uma extensão da cidade mais próxima.

Q. E para o campo Americano, que é repleto de protestantes, as fazendas são conduzidas de maneira anti-social, e a vida é conduzida de maneira francamente egoísta?

R. Como a carta de Dezembro disse, o protestantismo é o coração do problema do suburbanismo. Para atacar este sintoma do suburbanismo devemos lembrar os católicos de como a doença do Protestantismo é mais passível de infectá-los sem que eles percebam. Ser católico é muitíssimo mais importante do que viver no campo, mas, circunstancialmente, não viver no campo pode inclinar muitos Católicos a deixar de o serem. Todo Católico deve pensar duas vezes antes de se mudar para longe da missa para estar no Campo, e pensar três vezes antes de se mudar para o campo para lá recriar burgos, ou voltar a um modo de viver industrializado, mecanizado e anti-social.

Q. Nós, católicos, não somos Amish!

R. De acordo com a Verdade de nossa religião sobrenatural, não. Mas isso significa que não há nada em seu modo de vida natural que poderíamos imitar? Não necessariamente. Há "método em sua loucura". Viver na terra não é o mesmo que viver da terra.

Q. Ok, ok. Supondo que eu me mude para o campo, perto o bastante para ir à Missa todos os dias, com tempo o bastante para recitar o Rosário diariamente, e em uma área pequena demais para ser sugada em agricultura industrial, então o quê?

R. Primeiro, não deixaremos o habitante urbano pensar que ir de volta ao campo é fácil. O cultivo é uma vida difícil, o que é precisamente o porquê de muita gente ter abandonado o campo no século XX para ir às cidades. Vacas não têm feriados, o leite deve ser tirado todos os dias, o que inclui o pior dos dias do inverno! Mas "sem suor, sem recompensa". No difícil da vida que se encontra a disciplina, para jovens e velhos. Se as pessoas tivessem continuado no campo, o Comunismo nunca teria subido. Quem quereria entrar em greve contra a terra, os animais ou o tempo? Conclusão: para conseguir o que você quer, não espere e não reconstrua a vida fácil para si. "Sofrer é aprender". Segundamente, proximidade à Missa é parte crucial de sua mudança ao campo, não apenas por conta de nosso dever de domingo e da necessidade absoluta dos sacramentos para salvar nossa alma, mas também por conta da necessidade Católica de comunidade. Se católicos fugissem da cidade ou dos subúrbios por causa deste contexto ferindo a Fé, não seria válido fugir a um contexto de vida Protestante e individualista, onde não haveriam famílias Católicas próximas. No início da Idade Média (500-1000 DC), as vilas e cidades da Cristandade se formavam próximas de um monastério ou igreja.

Q. Mas na Idade Média os altares da Igreja Católica eram muito mais estáveis do que eles são no cenário de crise atual.

R. Se olharmos para trás no tempo, pode parecer, mas naquela época, sobre as ruínas do império Romano e a ameaça das invasões bárbaras, os altares dificilmente deveriam parecer mais estáveis do que hoje. Em algum ponto Deus nos requereu tomar riscos e confiar Nele para o resto.

Q. Então eu fujo da cidade e passo a morar no campo, não muito distante de outros católicos, onde há Missa. O que eu consegui de positivo?

R. No campo, muito mais do ambiente é feito por Deus, ou natural, em vez de feito pelo homem, ou artificial. Toda criatura de Deus fala diretamente com Deus, se tiver orelhas para ouvir. Se alguém se mudou para o campo, este alguém não deve fazê-lo de maneira muito abrupta, com mudanças bruscas demais, por conta da tentação de voltar à cidade com a qual é acostumado. Este deveria abandonar pouco a pouco essas artificialidades que são o orgulho e consolação periféricos, e que preenchem os lustrosos e coloridos catálogos estufando suas caixas de correspondência. A vida no campo deve simplificar,  e assim que o fizer, as coisas importantes da vida que antes estavam bloqueadas por múltiplas distrações artificiais voltarão.

Q. Mas sem museus, sem concertos, sem cultura -- apenas as belezas da Natureza? Que entediante.

R. Mudar-se ao campo requereria um período de adaptação para perceber o porquê de eu querer morar no campo em primeiro lugar. Mas após um bom período pensando, eu provavelmente teria uma boa chance de me adaptar. Por exemplo, nas cidades, museus têm constantemente feito novas exibições de os mesmos velhos artistas, ou então patronizaram os modernos anti-artistas. No campo, dois pores do sol ou dois nasceres do sol nunca são iguais, e cada um é uma obra prima fresca pintada em tinta movente. Obviamente, deve-se ter os olhos para vê-lo. De maneira similar, teatros têm de tocar as mesmas peças favoritas dos compositores clássicos, ou decair para a música moderna, enquanto no campo cada cantar de pássaro é uma nova sinfonia conduzida por nosso Criador, mas orelhas forjadas em teatros têm de se ajustar para ouvi-las.

Q. Mas a vida no campo seria entediante.

R. Os adultos e as crianças mais velhas teriam de se adaptar, mas as crianças mais novas caem sobre o campo como patos caem na água. A maioria dos pais podem ver o quão mais saudável seria para suas crianças crescer no campo, mas se mantêm na cidade por conta das circunstâncias.

Q. Quais as vantagens para as crianças?

R. Ar fresco. Liberdade para brincar lá fora. Trabalho manual, facilidade para ensinar disciplina e responsabilidade. O lidar com animais, com que crianças têm uma afinidade dada por Deus, e que por sua natureza dada por Deus são capazes de ensinar às crianças lições que máquina alguma pode dar. Por exemplo, que criança nascida e criada entre garanhões e éguas, touros e vacas, galos e galinhas, vai cair na de que não existe diferença entre homens e mulheres? Ouso dizer que os animais sem razão ensinarão à criança uma parte significativa da diferença entre homens e mulheres que, por sua vez, tem razão.

Q. Mas todas essas vantagens da vida do campo são situadas meramente a nível natural. É graça ou o sobrenatural que conta para a salvação.

R. É claro, mas a graça constrói a natureza. A graça cura a natureza, mas não a viola. A graça trabalha contra o pecado, mas trabalha com a natureza. É por isso que uma educação sábia trabalha com a graça e a natureza em conjunto. O problema com a incessantemente crescente artificialidade da vida urbana é que a graça não tem com o que trabalhar. O contexto totalmente urbano faz estradas de concreto onde a semente da graça tem pouca chance. É por isso que tantos pais devotos veem seus filhos adolescentes se tornarem desinteressados no Catolicismo. Graça e natureza, da maneira que são apresentados aos adolescentes, não se integram ou completam. 

Um comentário:

  1. Peço que me informem caso percebam qualquer falha na tradução. Trata-se de um projeto amador.

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